Alho: magia ou remédio?

Se a coragem tivesse um sabor, saberia a alho.

Existe algum outro caule que conheças que afaste pragas, vampiros e demónios? Ou outra flor assustadora que tenha estimulado guerreiros em alto mar, erguido pirâmides de areia, entrado em casas de escravos, reis e deuses, seguido faraós até aos seus túmulos, ou transformado um urso gigante numa mulher em 100 dias?

Por mais difícil de engolir que ele seja, a verdade é que o alho (Allium sativum) esteve no hálito daqueles que realizaram alguns dos feitos mais impressionantes da história da humanidade. Esquece a história dos superalimentos, os alhos são absolutamente sobrenaturais.

Como a cebola, o alho-francês e o cebolinho, o alho é uma planta perene que cresce a partir de um bulbo. Embora seja nativa da Ásia Central e Meridional, hoje existe em quase todos os ambientes e cozinhas do mundo. Com uma história de mais de 5 mil anos de cultivo e consumo, é a planta mais utilizada da história para fins gastronómicos e medicinais. E com toda a razão.

alho

Então, qual é a história?

As plantas, as suas utilizações, e as nossas percepções sobre o papel das mesmas tendem a mudar ao longo do tempo. No entanto, é um dos poucos alimentos que consegue demonstrar uma notável continuidade entre práticas antigas e atuais. São raras as coisas na nossa vida cuja importância seja tão poderosa que transcendam, e até atenuem, as barreiras culturais. O alho é uma delas, e os seus benefícios já se registam desde o terceiro milénio aC.

Nessa época, na China, no Japão e na Coreia, o alho era bastante utilizado e era já uma parte importante da dieta diária. Era utilizado para ajudar na digestão, na respiração, na fadiga e na depressão, tendo até chegado ao ancestral xamanismo coreano como um alimento poderoso que, alegadamente, transformou um urso numa deusa.

Na Índia antiga, o alho aparece em alguns dos primeiros registos escritos como uma parte fundamental da tradição médica ayurvédica. Era usado para tratar doenças cardíacas e artrite, condições que os médicos contemporâneos concordam que possam ser aliviadas com o uso do mesmo.

Os antigos egípcios também eram grandes defensores do alho. A planta não era apenas um ingrediente-chave na dieta diária, mas também era intencionalmente distribuída aos trabalhadores que construíram as pirâmides, como meio de aumentar a sua força física e protegê-los da insolação. De facto, quando a múmia do rei Tutancâmon foi enterrada há cerca de 3 mil e 500 anos, alguns dentes de alho também entraram na tumba do faraó, onde permaneceram bem preservados até à sua escavação em 1922.

Da mesma forma, evidências de existência deste alimento também foram encontradas nos templos vizinhos da Grécia Antiga. Tal como acontece com os egípcios, foi reconhecido como uma fonte de força pelos gregos, que o administravam aos seus atletas olímpicos, marinheiros e guerreiros antes de competições ou batalhas. Pode, portanto, ser considerado um dos primeiros medicamentos para melhorar a performance, mas também era utilizado para tratar condições médicas. Hipócrates, o pai da medicina moderna, defendia o uso do alho para tratar doenças pulmonares e Plínio, o Velho, notou a sua eficácia contra 61 doenças, da calvície à epilepsia.

história do alho

Os romanos, e mais tarde os vikings, continuaram a utilizar este alimento para obter coragem e força no mar, mas também como ajuda médica. A crença de que o alho poderia ser usado para “limpar artérias”, tratar distúrbios gastrointestinais e aliviar dores nas articulações era uma convicta convicção na Roma Antiga, e ainda hoje é objeto de pesquisas médicas. Graças aos romanos, o alho foi, então, introduzido no norte da Europa, onde manteve a sua reputação de cura durante toda a Idade Média, e foi até utilizado como tratamento das Grandes Pragas. Na outra extremidade do Oceano Atlântico, os nativos americanos e os primeiros colonos europeus também o usavam em tónicos e remédios para gripe.

À medida que o mundo mudou e culturas distantes entraram em conflito, o gosto das pessoas pelo alho permaneceu. Nos campos de batalha da Primeira e Segunda Guerra Mundial, a pasta de alho foi usada na ausência de penicilina. A ideia de que este alimento pode tratar doenças e introduzir força é recorrente em grupos isolados e foi um importante catalisador para grande parte da pesquisa médica que aconteceu no último século. A rejeição do alho por castas sociais mais altas também é um tema recorrente que traça ligações entre os brâmanes budistas, os gregos antigos e a aristocracia vitoriana. Ainda hoje, o estigma persiste e o medo de cheirar a alho pode criar dilemas à mesa. Da adoração ao desprezo, realmente deixou toda uma gama de sabores na boca das pessoas. Nada mal para um vegetal.

A razão do seu sucesso

A razão por trás da reputação ambivalente do alho é a alicina. A alicina é um composto sulfurado que oferece ao alho o seu poderoso sabor. É também a alicina que lhe confere irrefutáveis benefícios ​​para a saúde. A alicina é pesticida, antibiótico, antifúngico e antiviral, o que significa que o alho pode suprimir o crescimento de quase qualquer microrganismo. Como resultado, é frequentemente utilizado para regular os desequilíbrios na flora intestinal e, de facto, o alho tem sido considerado um potencial amortecedor do aquecimento global, porque quando integra a alimentação das vacas reduz a emissão de metano pela metade!

A alicina também é um antioxidante que neutraliza os radicais livres, retarda o envelhecimento e aumenta a absorção de outros nutrientes como zinco e ferro. Da diabetes à asma, a alicina prova ser um produto químico notavelmente eficaz. Mas o seu benefício mais reputado é o seu efeito no sistema circulatório. A alicina reduz a pressão arterial e impede a coagulação das plaquetas, o que significa que torna o sangue mais fino e destrói os coágulos sanguíneos. Também atua sobre o colesterol mau e evita a sua acumulação nos vasos sanguíneos, tornando-o um ótimo alimento para impedir a aterosclerose (uma doença vascular crónica). Considerando que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, essas propriedades fazem do alho um dos alimentos mais valiosos que existem.

Estudos mais recentes mostram que o consumo regular de alho pode até ativar ou desativar certos genes relacionados ao crescimento celular e acredita-se que a atividade da alicina no nosso ADN possa ajudar a prevenir o desenvolvimento do cancro. Não é à toa que as pessoas costumavam colocar alho debaixo das almofadas e à volta do pescoço.

Mas, além da alicina, o alho é relativamente pobre do ponto de vista nutricional, contendo alguma vitamina C e vitamina B6, mas é composto principalmente por água e carboidratos. É por isso que é melhor misturar o alho com outros ingredientes e, felizmente, isso é fácil de fazer. Do chá à salada e ao frango assado, os dentes de alho podem ser adicionados a quase tudo, tornando-o um autêntico remédio diário.

Por isso, estamos muito gratos por trabalhar com o Chico Das Cebolas, um vendedor de frutas e legumes com um negócio de família que tem vindo a apoiar a nossa luta contra o desperdício alimentar desde os primeiros dias do nosso projeto.

Esperamos que agora também possas apreciar os benefícios fenomenais de incluir alho na tua dieta e apoiar o nosso objetivo de transformar alimentos desperdiçados em tesouros saudáveis.

beneficios do alho